4.
A Eva nunca vai abandonar a ilusão que lhe sorri, sisuda, do Afonso. Disso tenho uma secreta certeza. Ela é uma mulher perfeita nas suas imperfeições, uma falsa feminista, que luta pelos ideais das mulheres e não consegue ver-se livre de um homem. Aprisionou-se a ele cheia de certezinhas absolutas do seu amor e perdeu. Perdeu-se na discreta e abstracta mediocridade de um Afonso que tem medo de amar.
Viciei-me nela. Não posso negar. Viciei-me nas lágrimas pacíficas que derrama no sofá da minha casa porque nunca aprendeu a ser infeliz sozinha. Viciei-me nos gestos alinhados e vivos dos seus dedos enigmáticos. Viciei-me na sua vida povoada de príncipes e princesas, de fadas invisíveis e bailarinas sumptuosas.
Ela é uma criança. Uma mulher que quer para sempre ter quinze anos. Essa idade liga-a ao passado e, por conseguinte, ao homem que tão delicadamente a decompõe numa tristeza estereofónica e medíocre.
Ela inspira-me. Inspira a minha vida esborratada e deserta. Uma vida que não magoa, mas fere.
A Eva ressuscitou-me. Ajustei a minha existência à dela e não conseguirei em momento algum desprender-me deste deslumbramento gentilmente cedido por um eventual e altruísta Destino.
Amansou-me a idade e o espírito. Já não tenho medo de envelhecer, de morrer. A morte torturava-me e a Eva oferece-me o alívio dos afectos e do choro alheado que eu não pressenti nem causei. Ela vive em constante remodelação interior e não é capaz de enterrar o seu maior inimigo.
Adquiriu todas as habilidades necessárias e fundamentais para Conseguir-Sobreviver-Numa-Sociedade-de-Nadas. Uma sabedoria instantânea, teórica, planeada, revolucionária, que se revelou imprevisível quando amou mais o Afonso que a ela no seu auge de esplendor, de verdade, de luz.
O encanto da Eva ressoará nos trilhos do tempo para sempre. A sua história só será completa e turbulenta quando na relatividade do que é o Amor imóvel, fechado e derradeiro, se fizer uma alusão clara, maciça e pura aos Afonsos miseráveis e vitoriosos que se orgulham de nunca terem amado.
Experimentei afastar-me. Pertencer-me só a mim. Mas não consegui. A Eva não é minha. Eu é que sou dela. Não no sentido de posse, de exaltação estonteante, de prazer sobejo ou carnal. Trata-se apenas de uma dependência que me desarrumou a vida. Um mexer e remexer de gavetas, de sonhos e de desejos em que me embaracei do princípio ao fim.
Organizei a minha vida, o meu espírito alheio e irritado, as aulas de Português que lecciono na faculdade, os meus quarenta e seis anos, os (in)contestáveis charutos, a adequação cintilante e enigmática do meu humor – ou amor – à Eva. Vivo em função dela. Não como amante. Mas como minha filha. Minha amiga incontornável e duradoura. Conformada e magnânime.
Será assim tão difícil perceber que eu amo apenas a Eva triste, desiludida, morta, diminuída, perdida? Nada mais. Sou apenas um amigo dos maus momentos. Trato-lhe da alma estilhaçada e exausta como quem cura uma ferida. Uma chaga incicatrizável. O Afonso.
"Francisco, incomodas-te se eu ficar a dormir cá esta noite? Tenho medo de voltar a sonhar com o Afonso." E eu aceno com a cabeça afirmativamente e nego com o coração. Ela tem de aprender a lutar contra esse fantasma que tanto a aterroriza e que tanto ama. Mas não posso prescindir dela, como ela não conseguirá jamais se desvincular do Afonso. É o seu fado. A sua sina. E ela já se conformou com isso. Como se não houvesse remédio, como se tivesse sido crucificada por prazer, como se estivesse disposta a profanar internamente as golfadas de dor que a fazem esmorecer.
Ela assume que o Afonso é uma doença. Que necessita de uma cura delicada e violenta, interna e inquebrantável. Um processo irreversível que eu sei que ela não vai iniciar nunca.
Viciei-me nela. Não posso negar. Viciei-me nas lágrimas pacíficas que derrama no sofá da minha casa porque nunca aprendeu a ser infeliz sozinha. Viciei-me nos gestos alinhados e vivos dos seus dedos enigmáticos. Viciei-me na sua vida povoada de príncipes e princesas, de fadas invisíveis e bailarinas sumptuosas.
Ela é uma criança. Uma mulher que quer para sempre ter quinze anos. Essa idade liga-a ao passado e, por conseguinte, ao homem que tão delicadamente a decompõe numa tristeza estereofónica e medíocre.
Ela inspira-me. Inspira a minha vida esborratada e deserta. Uma vida que não magoa, mas fere.
A Eva ressuscitou-me. Ajustei a minha existência à dela e não conseguirei em momento algum desprender-me deste deslumbramento gentilmente cedido por um eventual e altruísta Destino.
Amansou-me a idade e o espírito. Já não tenho medo de envelhecer, de morrer. A morte torturava-me e a Eva oferece-me o alívio dos afectos e do choro alheado que eu não pressenti nem causei. Ela vive em constante remodelação interior e não é capaz de enterrar o seu maior inimigo.
Adquiriu todas as habilidades necessárias e fundamentais para Conseguir-Sobreviver-Numa-Sociedade-de-Nadas. Uma sabedoria instantânea, teórica, planeada, revolucionária, que se revelou imprevisível quando amou mais o Afonso que a ela no seu auge de esplendor, de verdade, de luz.
O encanto da Eva ressoará nos trilhos do tempo para sempre. A sua história só será completa e turbulenta quando na relatividade do que é o Amor imóvel, fechado e derradeiro, se fizer uma alusão clara, maciça e pura aos Afonsos miseráveis e vitoriosos que se orgulham de nunca terem amado.
Experimentei afastar-me. Pertencer-me só a mim. Mas não consegui. A Eva não é minha. Eu é que sou dela. Não no sentido de posse, de exaltação estonteante, de prazer sobejo ou carnal. Trata-se apenas de uma dependência que me desarrumou a vida. Um mexer e remexer de gavetas, de sonhos e de desejos em que me embaracei do princípio ao fim.
Organizei a minha vida, o meu espírito alheio e irritado, as aulas de Português que lecciono na faculdade, os meus quarenta e seis anos, os (in)contestáveis charutos, a adequação cintilante e enigmática do meu humor – ou amor – à Eva. Vivo em função dela. Não como amante. Mas como minha filha. Minha amiga incontornável e duradoura. Conformada e magnânime.
Será assim tão difícil perceber que eu amo apenas a Eva triste, desiludida, morta, diminuída, perdida? Nada mais. Sou apenas um amigo dos maus momentos. Trato-lhe da alma estilhaçada e exausta como quem cura uma ferida. Uma chaga incicatrizável. O Afonso.
"Francisco, incomodas-te se eu ficar a dormir cá esta noite? Tenho medo de voltar a sonhar com o Afonso." E eu aceno com a cabeça afirmativamente e nego com o coração. Ela tem de aprender a lutar contra esse fantasma que tanto a aterroriza e que tanto ama. Mas não posso prescindir dela, como ela não conseguirá jamais se desvincular do Afonso. É o seu fado. A sua sina. E ela já se conformou com isso. Como se não houvesse remédio, como se tivesse sido crucificada por prazer, como se estivesse disposta a profanar internamente as golfadas de dor que a fazem esmorecer.
Ela assume que o Afonso é uma doença. Que necessita de uma cura delicada e violenta, interna e inquebrantável. Um processo irreversível que eu sei que ela não vai iniciar nunca.
it's getting better and better
ResponderEliminarAdorei todos os qe li, continua *.*
ResponderEliminaramei :*
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