"Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer." [M.S.T.]

20.7.09

7.
Começo a achar estranhas, mesmo inoportunas as atitudes do Tomás. Se continuar assim vou ter de acabar o nosso relacionamento. Eu gosto dele, mas estes ciúmes exagerados transfiguram-no. Como se fosse um mutante.
Chama-me "princesa russa". Como se eu fosse fria, imprevisível e fatal. Olha-me com uns olhos belos mas vidrados. Fissurados. Parece que me intersecta e me craveja com palavras indestrutíveis e despropositadas.
Acreditei que ia ser feliz ao seu lado. Mas já não tenho tanta certeza. E depois há esta proposta de trabalho no Brasil e quero partir sozinha.
Está decidido. Amanhã vou por um ponto final na minha história com o Tomás. Sem espaço para reticências, nem interrogações. È uma decisão firme, sem espaço para ilusões e discórdia. Acabou. Como sempre. A Maria Eduarda tinha razão. O fim era o limite.
Por quais razões duram tão pouco as minhas paixões quentes e irrepetíveis? Porque motivo só consegui amar o Afonso?
Porque é cómodo. Mais doloroso, mas não precisa de muito esforço. Amo o Afonso porque ele está a anos-luz de ser meu. Amei-o e acabou tudo. Sem porquês, nem intrigas. Sem divisão de camas, nem de casas, nem de manhãs, muito menos de noites. Momentos. Só partilhamos momentos, protecção e amor. Nada mais. Amei-o na simplicidade dos sentimentos paralelos, que na perpendicularidade da vida se tornaram insignificantes. Amei-o em plena juventude, numa explosão de sensações que reflectiam o céu e o mar numa progressiva exaltação de cor. Amei-o sem roupa e sem dinheiro. Mendigo de amor e de pão. Senhor do meu coração. Amei-o.
E agora o Tomás. Saiu e entrou na minha vida da mesma forma. Sem fazer ruído. Sem causar emoções fortes nem fracas. Entrou em silêncio e assim partirá. Não há história. Só palavras desafinadas e urbanas que memorizarei por pouco tempo. É sempre assim. Só o Afonso se manteve e manterá no meu coração. Feliz ou infelizmente.
E choro. Não sei se é defeito ou feito mas sempre chorei demais. Quando tinha motivo e quando não encontrava nenhum motivo para chorar. Quando sentia falta do Afonso ou quando tinha medo de nunca mais sentir falta de ninguém. Quando estava sozinha ou quando acompanhada tinha medo da solidão. Medo. Tenho medo a mais. Recuo no amor como quem recua numa batalha para não perder a guerra. Tenho tanto medo de amar a vida que só amo o Afonso. A mágoa desordenada de que me aproximo e me atraio ensinou-me a morrer sem medo. Só não tenho medo da morte. Ao contrário do Francisco.
Conheci-o trémulo, impiedoso, intimista e transtornado. Um misto de força e de fraqueza. Um fertilizador de amizades e sabedoria. Um filósofo pacifista e educado. Um professor de Português que apenas me ensinou a ser feliz.
Ele tem medo de morrer. Eu de viver. Assusta-o a agressividade dos homens e a mística que envolve Aquele Outro Mundo. O Paraíso. Não há provas e o Francisco só acredita naquilo que vê. Convencido e (des)crente, ele não atina com a palavra "Adeus". Nunca percebi se acredita ou não em Deus. Apenas sei que acredita na vida. Porque a sente, a explora, a narra, a amplifica. O Francisco é o meu melhor amigo. Mais na infelicidade do que na alegria. Sinto-me protegida ao seu lado. Abraça-me porque duvida. E eu gosto da sua incerteza quanto à minha futura independência do mundo.
Não gosto de estar sozinha porque aprendi a ter o Francisco ao meu lado. Recuperado e realista. Um falador de silêncios. Um perpétuo guardador de segredos. O Francisco.
Fala com os olhos verdadeiros e febris. Critica-me com a doçura que a intimidade veemente acalenta. Beija-me a alma porque tem medo do meu espírito. Persegue os meus sonhos e sem compaixão apaga o Afonso para que eles sejam perfeitos. Como se eu alguma vez conseguisse atingir a fímbria da perfeição sem o amor imoral e infinito que sinto por ele.
Francisco, às vezes acho que nunca amaste ninguém. Tenho certeza. Quem ama acredita. Quem ama não discute com força. Quem ama vê com a nitidez difusa e colorida do amor. Quem ama imortaliza a paixão e protege a recompensa imperecível dos triunfos do coração.
Conheces-me tão bem, mas tão pouco. Sabes do Afonso, dos meus segredos cúmplices e simples, da morte que anseio e não receio, da vida que mal vivi e que vivi mal. Conheces-me as aparências físicas e internas e não és capaz de entender o que significa a palavra Amor. Na sua simplicidade encantada, arrebatadora e sincera.
Recusas a morte com paixão e não consegues apaixonar-te por ninguém. Como se fosses superior aos sentimentos. Como se só a eloquência e a arrumação de vida fizessem sentido.
Não sabes nada de nada e sabes tudo. Invejo-te e odeio-te. Porque te adoro. Adoro-te o sorriso meigo e cansado dos dias em que tenho medo de sair do teu lado. Adoro o cheiro do incenso que espalhas pela casa para que tudo seja mais difuso e acolhedor. Adoro a sombra inquieta do teu coração sem dono. Adoro sentir as tuas mãos nos meus cabelos desgrenhados e molhados pelas lágrimas incessantes dos pensamentos que teimam em abraçar o Afonso. Adoro-te. Com uma leveza que pesa e não cansa.
Nunca me apaixonei por ti. Só pelo carinho e companhia que sei que sempre me farás.
Adoro-te. Muito. Muito. Muito.

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